quarta-feira, 22 de dezembro de 2010





Estava tanto frio! A neve não parava de cair e a noite aproximava-se. Aquela era a última noite de dezembro, véspera do dia de Ano Novo. perdida no meio do frio intenso e da escuridão, uma pobre menininha seguia pela rua afora, coma cabeça descoberta e os pés descalços. É certo que ao sair trazia um par de chinelos, mas não duraram muito tempo, porque eram uns chinelos que haviam pertencido à mãe, e ficavam-lhe tão grandes, que a menina os perdeu quando teve de atravessar a rua a correr para figir de um trem. Um dos chinelos desapareceu no meio da neve, e o outro foi apanhado por um garoto que o levou, pensando em fazer dele um berço para a irmã mais nova brincar.
     Por isso a menininha seguia com os pés descalços e já roxos de frio; levava no avental uma quantidade de fósforos, e estendia um maço deles a toda a gente que passava apregoando: - Quem compra fósforos bons e baratos? - Mas o dia tinha-lhe corrido mal. Ninguém comprara os fósforos, e, portanto, ela ainda não conseguira ganhar um tostão. Sentia fome e frio, e estava com a cara pálida e as faces encovadas. Pobre menininha! os flocos de neve caíam-lhe sobre os cabelos compridos e loiros, que se encaracolavam graciosamente em volta do pescoço magrinho; mas ela nem pensava nos cabelos encaracolados. Através das janelas, as luzes vivas e o cheiro da carne assada chegavam à rua, porque era véspera de ano Novo. Nisso sim é que ela pensava.
     Sentou-se no chão e encolheu-se no canto de um portal. Sentia cada vez mais frio, mas não tinha coragem de voltar para casa, porque não vendera um único maço de fósforos, e não podia apresentar nem uma moeda, e o pai era capaz de lhe bater. E afinal, em casa também não havia calor. A família morava numa água-furtada, e o vento metia-se pelos buracos das telhas, apesar de terem tapado com farapos e palha as fendas maiores.
     Tinha as mãos quase paralisadas com o frio. Ah, como o calorzinho de um fósforo aceso lhe faria bem! Se ela tirasse, um só, do maço e o acendesse na parede para aquecer os dedos! Pegou um fósforo e: Fcht!, a chama espirrou e o fósforo começou a arder! Parecia a chama quente e viva de uma candeia, quando a menina tapou com  mão mas que luz era aquela? A menina julgou  que estava sentada em frente a um fogão de sala cheio de ferros rendilhados. O lume ardia com uma chama tão intensa, e dava um calor tão bom! Mas o que se passava? A menina já estendia os pés para se aquecer, quando a chama se apagou e o fogão desapareceu. E viu que estava sentada sobre a neve, com a ponta do fósforo queimado na mão.
     Riscou outro fósforo, que acendeu e brilhou, e o lugar em que a luz batia na parede tornou-se transparente como tule. E a menininha viu o interior de uma sala de jantar onde a mesa estava coberta por uma toalha branca, resplandescentes louças finas, e mesmo no meio da mesa havia um ganso assado, com recheio de ameixas e purê de batata, que fumegava, espalhando um cheiro apetitoso. Mas, que surpresa e que alegria! De repente, o ganso saltou da travessa e rolou para o chão, com o garfo e faca espetados nas costas, até junto da menininha. O fósforo apagou-se, e a pobre menina só viu na sua frente a parede negra e fria.







     E acendeu um terceiro fósforo. Imediatamente se encontrou ajoelhada debaixo de uma enorme árvore de natal. Era ainda maior e mais rica que outra que tinha visto no último natal, através da porta envidraçada, em casa de um rico comerciante. Milhares de velinhas ardiam nos ramos verdes, e figuras de todas as cores pareciam sorrir para ela. A menina levantou ambas as mãos para a árvore, mas o fósforo apagou-se, e todas as velas ne Natal começaram a subir, a subir, e ela percebeu então que eram estrelas a brilhar no céu. Uma estrela maior do que as outras desceu em direção à terra, deixando atrás de si um rastro comprido de luz.
     "Foi alguém que morreu", pensou para consigo a menina; porque a avó, a única pessoa que havia sido boa para ela, mas já não era viva, dizia-lhe muitas vezes:"Quando vires uma estrela cadente, é uma alma que vai a caminho do céu."
     Esfregou ainda mais outro fósforo na parede: fez-se uma grande luz, e no meio apareceu a avó, de pé, com uma expressão muito suave, cheia de felicidade!
-Avó!- gritou a menina- leva-me contigo! Quando este fósforo se apagar, eu sei que já não estarás mais aqui. Vais desaparecer como o fogão de sala, como o ganso assado e como a árvore de Natal, tão linda.
     Riscou imediatamente o punhado de fósforos que reatava daquele maço, porque queria que a avó continuasse junto dela, e os fósforos espalharam uma luz tão brilhante como se fosse dia. Nunca a avó lhe parecera tão alta, em tão bonita. Tomou a neta nos braços e, soltando os pés da terra, no meio daquele resplendor, voaram ambas tão alto, que já não podiam sentir o frio, nem fome, nem desgostos, porque tinham  chegado ao reino de Deus.
     Mas ali, naquele canto, junto ao portal, quando rompeu a manhã gelada, estava caída uma menininha, com as faces roxas, um sorriso nos lábios...morta de frio, na última noite do ano. O dia de Ano Novo nasceu, indiferente ao pequenino cadáver, que ainda tinha no regaço um punhado de fósforos. - Coitadinha, parece que tentou aquecer-se! - exclamou alguém. Mas nunca ninguém soube quantas coisas lindas a menina viu à luz dos fósforos, nem o brilho com que entrou, na companhia a avó, no ano Novo.